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"A Rapariga Dinamarquesa": um filme de expetativas

quarta-feira, fevereiro 03, 2016



A menos de um mês de uma das cerimónias mais aguardadas do ano, a entrega dos Óscares, os filmes nomeados começam a despertar um interesse crescente junto do seu público, muito pelo facto de todos querermos ter uma palavra a dizer sobre a entrega das estatuetas. E embora nunca tenha feito parte da corrida desenfreada pela visualização de todos os filmes nomeados, há sempre dois ou três que me chamam a atenção e quero mesmo ver. “A Rapariga Dinamarquesa” é um deles, um que ecoa na minha cabeça há muito tempo e um dos que decidi que não ia perder.

As minhas expetativas eram altas em parte porque Eddie Redmayne é bom em interpretar personagens que nos tocam no coração e apelam ao nosso lado mais sensível, e porque o argumento do filme, baseado numa história real sobre um dos pioneiros na mudança de sexo, é no mínimo interessante porque tantos anos depois ainda não dominamos totalmente este conceito e tantas vezes temos dificuldade em entende-lo. Mas as minhas expetativas traíram-me na hora de visualizar o filme, e transformaram aquilo que talvez seja um grande filme numa história morna e pouco aprofundada, da qual retiro apenas duas grandes e boas interpretações: a de Redmayne, no papel de Einar/Lili e a de Alicia Vikander, no papel de Gerda.

É quase imperdoável não mencionar as interpretações, já que tanto um ator como o outro conseguiram criar personagens credíveis, fortes e com caraterísticas vincadas que dão algum valor ao filme. O que não é imperdoável é a pouca profundidade com que é recriada uma história bem complexa, havendo por vezes a impressão de que Einar decidiu simplesmente transformar-se numa mulher a partir do momento em que vestiu uns collants e calçou uns sapatos sem grandes complicações ou lutas interiores. E se é verdade que Lili sempre se escondeu atrás da sua masculinidade, não é menos verdade que o processo não foi tão leviano assim e que demorou algum tempo a despoletar. Um tempo que não é retratado no filme.

Outra das desvirtudes do filme reside na superficialidade com que Gerda é apresentada, esquecendo que esta se trata de uma personagem um pouco mais complexa do que apenas uma mulher de personalidade forte: de facto, muitos são os que suspeitam da sua homossexualidade, já que nunca abandonou Lili e continuou a nutrir sentimentos por ela. Se Gerda era homossexual ou não nunca se provou, principalmente porque depois da morte de Lili voltou a casar com um homem, mas a dualidade entre a sua negação e o desespero, entre a aceitação e a dúvida podia ter tido bem mais destaque. Às vezes, Gerda parece que anda só a vaguear pela narrativa em vez de lhe acrescentar algo, e isto em nada desmerece a interpretação de Vikander. Tudo o que a atriz fez foi bem feito, o argumento é que não soube corresponder à interpretação de uma mulher tão fascinante quanto complexa.

Redmayne apresentou-nos um pintor querido pela sociedade da época, um bon-vivant charmoso e bem sucedido, que batalhava há anos com uma mulher tímida e misteriosa, que não apreciava os eventos sociais e que tinha alguma dificuldade em integrar-se. E fê-lo de forma competente porque a certa altura apercebemo-nos que já não é Einar que estamos a ver, mas sim Lili.  

Se esquecermos os dois aspetos que mencionei anteriormente, “A Rapariga Dinamarquesa” não é nem um mau filme nem um desmerecedor de um Óscar. É só um filme que se tornou menos intenso do que eu gostaria e que não aprofundou muitas das pontas soltas de uma história que só agora chegou à ribalta.


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